Os dias têm passado tranqüilos. Embora sinta falta da minha mãe cuidando da casa. Seu zelo pelo jardim, pelas plantas, era como comungar com a natureza das coisas de uma maneira laboriosa. Seus instintos de mãe faziam-se sentir mesmo nos momentos de pura introspecção. Dava para ouvir através dos olhos, numa sinestesia de sentidos, que mesmo concentrados nas tarefas cotidianas não estavam ali, mas recordando uma filha ausente, perquirindo os vôos promissores de outro filho mais próximo e um futuro há muito esperado mas ainda não realizado de um terceiro. Desejos confundidos com preces, mesmo que solitárias, que guardam sinceridade, sem dogmatismos nem receios de nada. Ainda acordo esperando ouvir a casa, a alegria das plantas, dos cachorros, dos passarinhos, das paredes, dos móveis a dançar de um lado para o outro, dos detalhes tão singelos. Tudo é mágico, é bonito, é sacro. Sim, isso mesmo. A casa toma ares de templo, como os gregos a concebiam. Minha guardiã do templo. Hoje tudo fenece sem a tua presença. Mas não há de tardar o dia em que voltarás como rainha a governar teu reino, modelando e colocando tudo em conformidade com teus caprichos que também são nossos. E voltaremos a sorrir, a fazer festas e convidar os amigos. Todos se sentindo parte da casa, pintando historias que ficarão incrustadas, não nas almas, mas nas paredes da casa, e chegará também esse dia em que elas deixarão de ter apenas ouvidos e criarão bocas e contarão que aqui vivia uma mulher que delas se fez senhora e a todos governou com sabedoria, trabalho e fé de que tudo daria certo, inevitavelmente.
Luiz Mario S. Dourado
07/04/2009 01:46
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