domingo, 27 de novembro de 2016

Uma noite.

Era uma sexta, passei a tarde tentando ler ou aprender alguma música, lutando contra o impulso natural da busca pelo prazer. Fazia planos sobre como deveria me portar nos próximos dias. A recusa da embriagues era uma delas. Precisava mudar de vida, concretizar projetos. Olho para o relógio, já é noite. Os sons da cidade entram pela janela, carros, bares, pessoas. O diabo da imaginação começa a fantasiar coisas que você sabe que não existem. Todas aquelas pessoas felizes. Faço um esforço titânico para ficar em casa. Me arrisco nas redes sociais. Pessoas aparentemente mais felizes do que eu postam planos para a noite, roupas, maquiagens, sorrisos forçados e matizes perfeitas para o instagran. Me sinto um crápula depressivo por pensar que as pessoas não podem ser felizes daquela maneira, talvez seja só inveja. Todo o meu ascetismo e disciplina vão abaixo pelo simples copo de cerveja. Me julgo covarde e fraco, a outra parte rir e me ignora, sabe que é mais forte. Me empertigo, coloco um som animado no carro para elevar a autoestima  e faço planos, crio involuntariamente a expectativa. A cidade está fervilhante, bares com som ao vivo, mesas cheias, muito barulho. Sento-me no balcão e peço uma cerveja. Olho mais detidamente para as mesas e a maior parte das pessoas esta ao celular, postando suas fotos. Poucas pessoas então olhando realmente uma para a outra. Paciência, é o mundo. Eu não deveria ter saído de casa, penso comigo mesmo. Algumas garotas estão sentadas perto de onde eu estou. Nenhuma delas parece interessada em nada do que se passa ali. O olhar delas é vago, perdido, estão ali apenas compondo paisagem, elas não sabem disso, provavelmente saíram de casa por pensarem que é uma espécie de obrigação ter que sair, como se fosse um insulto á vida ficar em casa numa sexta a noite. Me sinto ainda mais ridículo por saber que estou quase que na mesma situação. Embora tenha “consciência”. Consigo me sentir ainda pior por constatar isso. Havia lido um pouco de Bukwosky à tarde, talvez tenha sido essa a razão da fuga. Mas na literatura há beleza. Os personagens dialogam, há enredo, há ritmo.  Observo as pessoas e procuro algo de especial em seus semblantes, seus gestos, roupas, falas, trejeitos, mas constato para minha tristeza que são apenas pessoas normais como eu. Esperei que aparecesse alguma figura exótica para me fazer companhia, como aquelas mulheres que saem das historias do velho pervertido norte-americano. Ela se sentaria ao meu lado e conversaríamos coisas da vida e tudo se encaixaria. Saí da literatura para os filme de comédia romântica. Que patético. Podia ser apenas uma transa, mas as pessoas são ainda muito hipócritas. À medida que a noite adentrava e as cervejas aumentavam, minha embriagues tornava ainda mais visível que nada aconteceria. Não que a vida seja sempre assim, mas esse hedonismo que nos cerca, faz parecer tudo tão melancólico, é sempre a expectativa pelo extraordinário, pelo fantasioso, quando na verdade é uma mesmice sem fim. Imagino que alguém deve ter ganhado o “bilhete premiado” esta noite. Mesmo que ele tenha prazo de validade. Pressinto uma certa tensão no ambiente. A música já parou e os bêbados e bêbadas começam a se fazer mais audíveis. Verto o ultimo gole de cerveja, pago a conta e começo a fazer o caminho inverso do desejo. Imagino meu quarto e minha solidão amiga. Dou um sorriso pela ironia do final da noite e volto para casa cantando


Baby, compra o jornal e vem ver o sol
Ele continua a brilhar, apesar de tanta barbaridade

Baby escuta o galo cantar, a aurora dos nossos tempos
Não é hora de chorar, amanheceu o pensamento
O poeta está vivo, com seus moinhos de vento
A impulsionar a grande roda da história
Mas quem tem coragem de ouvir
Amanheceu o pensamento
Que vai mudar o mundo com seus moinhos de vento
Se você não pode ser forte, seja pelo menos humana
Quando o papa e seu rebanho chegar, não tenha pena
Todo mundo é parecido, quando sente dor
Mas nu e só ao meio dia, só quem está pronto pro amor
O poeta não morreu, foi ao inferno e voltou
Conheceu os jardins do Éden e nos contou
Mas quem tem coragem de ouvir
Amanheceu o pensamento
Que vai mudar o mundo com seus moinhos de vento
Mas quem tem coragem de ouvir
Amanheceu o pensamento
Que vai mudar o mundo com seus moinhos de vento


 Lula Dourado
Barreiras 27/11/2016