segunda-feira, 14 de março de 2022


Toda forma de linguagem tem uma intencionalidade no seu comunicar..seja de maneira expressa ou subentendida...transmitir algo se dá de múltiplas maneiras...talvez a mais direta seja pelo silencio. Há aqui um duplo sentido...o silencio de maneira proposital...não querer me comunicar...e há o pior deles que é o silencio da indiferença...do esquecimento, do desprezo por algo que não é mais relevante..que não faz mais sentido..outrora me importava muito com aquilo..ou talvez ela nunca tenha sido genuíno. Criamos sobre as coisas aquilo que nos agrada...ontem pensava..usava..me era útil...hoje apenas olho no canto da memória um passado que vivi..que foi bom...mas agora esquecido...indiferente....


quinta-feira, 10 de março de 2022


 Amor eros

Senti teu sorriso, gemidos e gritos

E percebi que sentir é estar vivo

Felicitei-me pela tua alegria que também era minha...

Mas vi teus olhares lascivos, pensei nos gemidos

e percebi que não eram mais para mim

Compreendi que sentir é sempre um ato egoísta

Não sinto o que sentes e não me felicito pelo que sentes..

apenas pelo que me proporciona

Quase todo amor eros é cego, mesquinho e raso...

dura o prazo suficiente da novidade e das convenções..

qualquer passo fora dessas amarras é sofrimento e lágrima.

segunda-feira, 30 de abril de 2018


Casa de Vó Luiza

Ainda sinto o cheiro de vó e vô quando entro nessa casa. Ainda ouço o disco da Xuxa nesse quarto da frente que agora não é mais quarto.  Da para ouvir o silêncio da modorra das tardes quando traquinamente eu roubava os biscoitos de um pote de alumínio cinza. O medo da repreensão tornava a aventura mais excitante. Havia sempre um caldeirão de água a esquentar na chapa de metal de um fogão a lenha eternamente aceso. O alpendre outrora mais baixo e mais modesto abrigava os netos em natais mais festivos e risonhos. Com direito a irmão chorando por presente que pensava ser seu, mas que devia ser entregue ao seu amigo oculto, o que causava boas risadas em todos. Minha mãe vestindo-se de papai Noel e nós em nossa inocência tentávamos adivinhar quem era. Era curioso ver o telhado antigo da casa, telha grossa, das que não se faz mais. Um emaranhado de “flandes” retorcidos captava agua da chuva, eram as biqueiras. Esperava-se as primeiras tormentas para lavar o telhado por onde circulavam os gatos. Os canais aéreos convergiam para o tanque, no meio do alpendre. Em noites muito quentes dormia-se em cima dele, admirando as estrelas com uma fenda bem nítida na Via Láctea. Ou assim aquele cenário se apresentava para mim. Minha avó, mandava pegar agua no tanque num latão com uma corda amarrada ao meio de uma haste de madeira. Quando não estava tão cheio era preciso ter perícia para jogar o “balde” com a boca para baixo, para que ele simplesmente não flutuasse. A água era doce, usada apenas para beber e preparar alimentos. Agua da chuva. Enchia-se os potes de barro e filtros. Sensação boa de pegar o copo com asa e ouvir o tibungado no fundo do pote, como já se referiu Luiz Gonzaga. Não me lembro de ter que ferver agua para bebe-la, tampouco, não me lembro de ninguém doente. Penso que fosse uma simbiose de interesses entre os “bichos” que abrigavam o tanque e minha flora intestinal. Na verdade, beber daquela água era medicinal. Discutia com meus primos e primas qual a profundidade do tanque, e cada um inventava para si uma medida e uma mentira sobre quem já caiu e quem quase se afogou, algumas eram verdade, mas minhas lembranças me traem agora. À noite sentava-se em frente à casa para contar causos e lembrar dos que se foram, não sabíamos das dores da perda e nossos pais de certa forma também não. As crianças, que éramos nos, ouvíamos atentos e curiosos, em meio as brincadeiras no chão de terra batida, mas polidamente limpo com vassouras tiradas dos quintais e adjacências. Aquilo não era um terreiro, era um parque de diversões. Bons tempos em que eu, juntamente com os primos fantasiávamos casos de lobisomens e outros folclores. Lembro-me de vó sempre de avental com ovos  à mão, serena e senhora de si, sem se dar por isso, mas sabíamos todos. Vô Jove com sua roupa surrada da roça que hoje me lembra tanto meu pai. Na labuta ordinária de todos os dias...interessante como a simples imagem pode nos remeter a tantas lembranças...bons tempos o da minha infância...tempo em que a consciência ainda não havia me tornado covarde. Envelhecer é se adaptar a normalidade, que é uma ilusão imbecil e estéril como dizia Oscar Wilde.

domingo, 27 de novembro de 2016

Uma noite.

Era uma sexta, passei a tarde tentando ler ou aprender alguma música, lutando contra o impulso natural da busca pelo prazer. Fazia planos sobre como deveria me portar nos próximos dias. A recusa da embriagues era uma delas. Precisava mudar de vida, concretizar projetos. Olho para o relógio, já é noite. Os sons da cidade entram pela janela, carros, bares, pessoas. O diabo da imaginação começa a fantasiar coisas que você sabe que não existem. Todas aquelas pessoas felizes. Faço um esforço titânico para ficar em casa. Me arrisco nas redes sociais. Pessoas aparentemente mais felizes do que eu postam planos para a noite, roupas, maquiagens, sorrisos forçados e matizes perfeitas para o instagran. Me sinto um crápula depressivo por pensar que as pessoas não podem ser felizes daquela maneira, talvez seja só inveja. Todo o meu ascetismo e disciplina vão abaixo pelo simples copo de cerveja. Me julgo covarde e fraco, a outra parte rir e me ignora, sabe que é mais forte. Me empertigo, coloco um som animado no carro para elevar a autoestima  e faço planos, crio involuntariamente a expectativa. A cidade está fervilhante, bares com som ao vivo, mesas cheias, muito barulho. Sento-me no balcão e peço uma cerveja. Olho mais detidamente para as mesas e a maior parte das pessoas esta ao celular, postando suas fotos. Poucas pessoas então olhando realmente uma para a outra. Paciência, é o mundo. Eu não deveria ter saído de casa, penso comigo mesmo. Algumas garotas estão sentadas perto de onde eu estou. Nenhuma delas parece interessada em nada do que se passa ali. O olhar delas é vago, perdido, estão ali apenas compondo paisagem, elas não sabem disso, provavelmente saíram de casa por pensarem que é uma espécie de obrigação ter que sair, como se fosse um insulto á vida ficar em casa numa sexta a noite. Me sinto ainda mais ridículo por saber que estou quase que na mesma situação. Embora tenha “consciência”. Consigo me sentir ainda pior por constatar isso. Havia lido um pouco de Bukwosky à tarde, talvez tenha sido essa a razão da fuga. Mas na literatura há beleza. Os personagens dialogam, há enredo, há ritmo.  Observo as pessoas e procuro algo de especial em seus semblantes, seus gestos, roupas, falas, trejeitos, mas constato para minha tristeza que são apenas pessoas normais como eu. Esperei que aparecesse alguma figura exótica para me fazer companhia, como aquelas mulheres que saem das historias do velho pervertido norte-americano. Ela se sentaria ao meu lado e conversaríamos coisas da vida e tudo se encaixaria. Saí da literatura para os filme de comédia romântica. Que patético. Podia ser apenas uma transa, mas as pessoas são ainda muito hipócritas. À medida que a noite adentrava e as cervejas aumentavam, minha embriagues tornava ainda mais visível que nada aconteceria. Não que a vida seja sempre assim, mas esse hedonismo que nos cerca, faz parecer tudo tão melancólico, é sempre a expectativa pelo extraordinário, pelo fantasioso, quando na verdade é uma mesmice sem fim. Imagino que alguém deve ter ganhado o “bilhete premiado” esta noite. Mesmo que ele tenha prazo de validade. Pressinto uma certa tensão no ambiente. A música já parou e os bêbados e bêbadas começam a se fazer mais audíveis. Verto o ultimo gole de cerveja, pago a conta e começo a fazer o caminho inverso do desejo. Imagino meu quarto e minha solidão amiga. Dou um sorriso pela ironia do final da noite e volto para casa cantando


Baby, compra o jornal e vem ver o sol
Ele continua a brilhar, apesar de tanta barbaridade

Baby escuta o galo cantar, a aurora dos nossos tempos
Não é hora de chorar, amanheceu o pensamento
O poeta está vivo, com seus moinhos de vento
A impulsionar a grande roda da história
Mas quem tem coragem de ouvir
Amanheceu o pensamento
Que vai mudar o mundo com seus moinhos de vento
Se você não pode ser forte, seja pelo menos humana
Quando o papa e seu rebanho chegar, não tenha pena
Todo mundo é parecido, quando sente dor
Mas nu e só ao meio dia, só quem está pronto pro amor
O poeta não morreu, foi ao inferno e voltou
Conheceu os jardins do Éden e nos contou
Mas quem tem coragem de ouvir
Amanheceu o pensamento
Que vai mudar o mundo com seus moinhos de vento
Mas quem tem coragem de ouvir
Amanheceu o pensamento
Que vai mudar o mundo com seus moinhos de vento


 Lula Dourado
Barreiras 27/11/2016



terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Pensar em Deus

Por mais que relute em dizer que não acredito em Deus converso com ele todos os dias. Ele está em algum lugar entre o que penso e o que faço. Pensar em Deus é como pensar em muitas contradições, e pensar em Deus sem contradições é como pensar em nada. Talvez eu devesse pensar Nele como um grande vazio a preencher de calma minha exasperada vida. Não gosto do Deus da maioria das pessoas e das religiões. Pintam-no como um livro de regras, “não pode isso, não pode aquilo”. Dificultam por demais nossa relação com ele. Há sempre uma idéia complexa que temos que compreender, mas que dizem ser impossível, pois “são coisas de Deus”. Não entendo por que Ele faria idéias complexas que não poderíamos entender. Gosto de pensar em Deus como um amigo, a escutar o que digo, que esta ali só para que eu desabafe e por vezes chore, ele me conforta com um abraço na alma e eu volto a ter paz. Não cobramos nada, como bons amigos que somos procuramos um ao outro pela confiança mútua, pelo prazer da presença sincera, acho que ele gosta que eu o tenha como um amigo. Admito que jamais o vi entrando pela porta de casa ou pela janela da minha alma para desabafar comigo sobre suas dificuldades em administrar o universo, o que não deve estar sendo nada fácil em tempos tão difíceis, mas se algum dia ele quiser, eu estarei aqui para escutá-lo, não sei como abraçar-lhe a alma, vá lá entender dos mistérios de Deus. Tudo isso deve parecer um sacrilégio e um estranhamento para outras pessoas, mas é assim que mantenho minha relação com Deus. Nos últimos tempos tenho dito um monte de impropérios a ele, e entendo que esteja magoado. Se disse todas aquelas coisas é por que tenho meus momentos de desespero como todo mundo. Você há de compreender que não passo de uma centelha de vida a cogitar sobre coisas que me divertem o espírito mas que não me movem do lugar. Essa coisa que a gente chama de filosofia. Admita, já lhe passou pela cabeça pensar se existia algo antes de você. Pois é, agora imagine para nós, pobres mortais, como não deve ser difícil pensar tudo isso. Se há céu e inferno, se a morte é só uma mera passagem, se a alma sobrevive, se revemos aqueles foram antes da gente, se os espíritos vagam entre nós, se existem anjos, enfim, se somos realmente tão importantes ou só inventamos isso para parecermos que somos. Se tudo isso for verdade (quero ficar com o benefício da dúvida) e nós nos encontrarmos algum dia, acho que lhe farei algumas perguntas. Por exemplo, por que você se manifestou de forma diferente para mulçumanos, cristãos? É que estou em duvida se terei um paraíso com anjos tocando harpas, ou outro com 70 virgens, ah já ia me esquecendo, tem o do nirvana também. Ao menos o senhor nos deu escolhas. Porque o senhor foi falar para Adão da maçã, e o que diabos uma cobra estava fazendo no seu jardim? E já que Adão comeu a maçã, não seria mais sensato expulsar a cobra e perdoar o pobre homem (dizem que o senhor a tudo perdoa) Simplificaria as coisas não acha? Quando acontecem coisas boas as pessoas lhe atribuem o feito, eu me pergunto é onde o senhor esta quando acontecem coisas ruins? Se o senhor é onipotente, onisciente e onipresente fica difícil correr da culpa, você há de concordar. Ah tem mais uma coisa, o livre-arbítrio. Se eu sou livre mesmo, por que eu vou ser penalizado só por não seguir os seus desígnios? Onde está a liberdade nisso? As vezes acho que o senhor gosta de vê o circo pegar fogo. Mas não se zangue comigo, só estou exercitando o que o senhor nos deu de mais precioso e talvez perigoso, o cérebro. Talvez faculdades racionais não funcionem no seu universo e perguntas como estas fogem da minha alçada de compreensão. Certamente é isso que os clérigos, pastores, rabinos, ou todos os doutos das religiões vão me dizer, daí fica outra questão, se não está em minhas mãos compreender tudo isso, por que eles se arvoram de conhecer o que a nenhum ser humano foi dado saber?

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Um começo

Esperei que baixassem as cortinas de teu espetáculo para te falar ao pé do ouvido, como convêm ao pai e uma filha quando se vêem pela primeira vez. Sei que será um monólogo, mas tu há de falar muito ainda. Por hora escuta. Sou teu pai e não haveria melhor apresentação para te dar do que essa. Num primeiro instante um herói, com direito a todos os caprichos de tua frágil existência, mas depois, quando da maturidade de teus anos olhares para mim, espero ter sido mais que uma simples figura familiar a te fazer referencia, mas sim, uma pessoa em que possa confiar e admirar. Sempre fiquei curioso quanto ao sentimento de meus pais quando vim ao mundo. Ontem chorei pela iminência de tua vinda, hoje atônito pela tua chegada. Sejamos sinceros um ao outro. Não foi somente alegria o sentimento que me passou naquela hora. Muitos sentimentos se misturaram, medo era um deles. (como era o teu também tenho certeza). Medo pelo desconhecido, pelo inabitado, pelo mistério de tudo que virá. De mim e de ti, claro. Por mais que me apresente como teu pai, e que o peso dos anos recaíam sobre meus ombros, vou já te adiantando, não tenho respostas para tudo, e ainda há em mim uma parte que hoje é tão sua, o lado criança. Talvez seja a parte agora que mais nos une. Tu, pelo teu silencio físico, e eu pela imaginação de que estás em algum lugar ouvindo tudo aquilo que digo e escrevo. Nada mais infantil e puro do que o fantasiar. Poderia começar a falar de como deve ti comportar com relação aos homens, mas seria no mínimo exagerado e os tempos serão outros. Embora os homens de ontem e hoje sejam sempre iguais, uma versão imperfeita das mulheres. Com sentimentos em sua grande maioria simples e primitivos. Não se desanime, há exceções a regra. No mais, cultive boas amizades, viaje muito, saiba respeitar as pessoas, não se corrompa por nada e aprenda a ter fé em alguma coisa. Espero que o mundo seja melhor do que é hoje. Não vou me prolongar, tu deve estar exausta da viagem, amanha te coloco para dormir e te conto mais historias sobre a vida, ou pelo menos do que sei dela, tu tira tuas conclusões e faz teu mundo. Seja bem vinda, Alícia.

sábado, 5 de março de 2011

Mocinha

O que escrever sobre o sentimento que me cerca acerca de uma pessoa que mal conheci? Que entrou pela janela de trás, escondida dos temores que a assustavam, mas que ao mesmo tempo faziam-na rir em deleite encantado pelo fato de estar vivendo uma aventura fugaz e aparentemente proibida? Quão fantasiosos jogos não passaram ao largo de tardes que cavalgavam sem demora, anunciando a noite que reclamava para si alguém que não podia ser somente minha, havia de ser dividida entre todos os seus caprichos. Mas não hei de reclamar como os egoístas que tudo querem. Eu nem imaginava que as tardes pudessem inventar momentos tão sublimes como se a lua ali estivesse, pois o sol pelo vidro fosco produzia seus encantos, desenhando numa suave penumbra seus contornos em tão dourado esplendor, denunciando seus gestos, olhares e desejos mais lascivos e meigos. E não se sabia onde era o fim e onde era o começo num espaço tão exíguo, em que as convenções sobre como se portar, eram completamente desnecessárias e inúteis. Reinventávamos nosso espaço de uma maneira particular. E ríamos sobre isso e a conversa imprimia seu ritmo e dançávamos entre os cômodos, todos a seu tempo, sem pressa ou lentidão. Cozer era uma atividade perigosa e apaixonante pelo fato de representar tão intima convivência numa relação fadada a sucumbir. É o estigma que me persegue. No fim, contudo, fica a recordação sempre nostálgica sobre o efêmero que se eterniza entre duas vidas tão distintas que se querem reencontrar num futuro próximo, mas incerto. O temor é que o instante tenha passado, que o curso das águas tenha transformado a mim e a ti, e que o que vivemos ficará gravado somente na memória e nessas poucas palavras. Tua presença está impressa numa recordação olfativa que vez ou outra ainda sinto em algum canto da casa