Esperei que baixassem as cortinas de teu espetáculo para te falar ao pé do ouvido, como convêm ao pai e uma filha quando se vêem pela primeira vez. Sei que será um monólogo, mas tu há de falar muito ainda. Por hora escuta. Sou teu pai e não haveria melhor apresentação para te dar do que essa. Num primeiro instante um herói, com direito a todos os caprichos de tua frágil existência, mas depois, quando da maturidade de teus anos olhares para mim, espero ter sido mais que uma simples figura familiar a te fazer referencia, mas sim, uma pessoa em que possa confiar e admirar. Sempre fiquei curioso quanto ao sentimento de meus pais quando vim ao mundo. Ontem chorei pela iminência de tua vinda, hoje atônito pela tua chegada. Sejamos sinceros um ao outro. Não foi somente alegria o sentimento que me passou naquela hora. Muitos sentimentos se misturaram, medo era um deles. (como era o teu também tenho certeza). Medo pelo desconhecido, pelo inabitado, pelo mistério de tudo que virá. De mim e de ti, claro. Por mais que me apresente como teu pai, e que o peso dos anos recaíam sobre meus ombros, vou já te adiantando, não tenho respostas para tudo, e ainda há em mim uma parte que hoje é tão sua, o lado criança. Talvez seja a parte agora que mais nos une. Tu, pelo teu silencio físico, e eu pela imaginação de que estás em algum lugar ouvindo tudo aquilo que digo e escrevo. Nada mais infantil e puro do que o fantasiar. Poderia começar a falar de como deve ti comportar com relação aos homens, mas seria no mínimo exagerado e os tempos serão outros. Embora os homens de ontem e hoje sejam sempre iguais, uma versão imperfeita das mulheres. Com sentimentos em sua grande maioria simples e primitivos. Não se desanime, há exceções a regra. No mais, cultive boas amizades, viaje muito, saiba respeitar as pessoas, não se corrompa por nada e aprenda a ter fé em alguma coisa. Espero que o mundo seja melhor do que é hoje. Não vou me prolongar, tu deve estar exausta da viagem, amanha te coloco para dormir e te conto mais historias sobre a vida, ou pelo menos do que sei dela, tu tira tuas conclusões e faz teu mundo. Seja bem vinda, Alícia.
terça-feira, 20 de setembro de 2011
sábado, 5 de março de 2011
Mocinha
O que escrever sobre o sentimento que me cerca acerca de uma pessoa que mal conheci? Que entrou pela janela de trás, escondida dos temores que a assustavam, mas que ao mesmo tempo faziam-na rir em deleite encantado pelo fato de estar vivendo uma aventura fugaz e aparentemente proibida? Quão fantasiosos jogos não passaram ao largo de tardes que cavalgavam sem demora, anunciando a noite que reclamava para si alguém que não podia ser somente minha, havia de ser dividida entre todos os seus caprichos. Mas não hei de reclamar como os egoístas que tudo querem. Eu nem imaginava que as tardes pudessem inventar momentos tão sublimes como se a lua ali estivesse, pois o sol pelo vidro fosco produzia seus encantos, desenhando numa suave penumbra seus contornos em tão dourado esplendor, denunciando seus gestos, olhares e desejos mais lascivos e meigos. E não se sabia onde era o fim e onde era o começo num espaço tão exíguo, em que as convenções sobre como se portar, eram completamente desnecessárias e inúteis. Reinventávamos nosso espaço de uma maneira particular. E ríamos sobre isso e a conversa imprimia seu ritmo e dançávamos entre os cômodos, todos a seu tempo, sem pressa ou lentidão. Cozer era uma atividade perigosa e apaixonante pelo fato de representar tão intima convivência numa relação fadada a sucumbir. É o estigma que me persegue. No fim, contudo, fica a recordação sempre nostálgica sobre o efêmero que se eterniza entre duas vidas tão distintas que se querem reencontrar num futuro próximo, mas incerto. O temor é que o instante tenha passado, que o curso das águas tenha transformado a mim e a ti, e que o que vivemos ficará gravado somente na memória e nessas poucas palavras. Tua presença está impressa numa recordação olfativa que vez ou outra ainda sinto em algum canto da casa
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