Por mais que relute em dizer que não acredito em Deus converso com ele todos os dias. Ele está em algum lugar entre o que penso e o que faço. Pensar em Deus é como pensar em muitas contradições, e pensar em Deus sem contradições é como pensar em nada. Talvez eu devesse pensar Nele como um grande vazio a preencher de calma minha exasperada vida. Não gosto do Deus da maioria das pessoas e das religiões. Pintam-no como um livro de regras, “não pode isso, não pode aquilo”. Dificultam por demais nossa relação com ele. Há sempre uma idéia complexa que temos que compreender, mas que dizem ser impossível, pois “são coisas de Deus”. Não entendo por que Ele faria idéias complexas que não poderíamos entender. Gosto de pensar em Deus como um amigo, a escutar o que digo, que esta ali só para que eu desabafe e por vezes chore, ele me conforta com um abraço na alma e eu volto a ter paz. Não cobramos nada, como bons amigos que somos procuramos um ao outro pela confiança mútua, pelo prazer da presença sincera, acho que ele gosta que eu o tenha como um amigo. Admito que jamais o vi entrando pela porta de casa ou pela janela da minha alma para desabafar comigo sobre suas dificuldades em administrar o universo, o que não deve estar sendo nada fácil em tempos tão difíceis, mas se algum dia ele quiser, eu estarei aqui para escutá-lo, não sei como abraçar-lhe a alma, vá lá entender dos mistérios de Deus. Tudo isso deve parecer um sacrilégio e um estranhamento para outras pessoas, mas é assim que mantenho minha relação com Deus. Nos últimos tempos tenho dito um monte de impropérios a ele, e entendo que esteja magoado. Se disse todas aquelas coisas é por que tenho meus momentos de desespero como todo mundo. Você há de compreender que não passo de uma centelha de vida a cogitar sobre coisas que me divertem o espírito mas que não me movem do lugar. Essa coisa que a gente chama de filosofia. Admita, já lhe passou pela cabeça pensar se existia algo antes de você. Pois é, agora imagine para nós, pobres mortais, como não deve ser difícil pensar tudo isso. Se há céu e inferno, se a morte é só uma mera passagem, se a alma sobrevive, se revemos aqueles foram antes da gente, se os espíritos vagam entre nós, se existem anjos, enfim, se somos realmente tão importantes ou só inventamos isso para parecermos que somos. Se tudo isso for verdade (quero ficar com o benefício da dúvida) e nós nos encontrarmos algum dia, acho que lhe farei algumas perguntas. Por exemplo, por que você se manifestou de forma diferente para mulçumanos, cristãos? É que estou em duvida se terei um paraíso com anjos tocando harpas, ou outro com 70 virgens, ah já ia me esquecendo, tem o do nirvana também. Ao menos o senhor nos deu escolhas. Porque o senhor foi falar para Adão da maçã, e o que diabos uma cobra estava fazendo no seu jardim? E já que Adão comeu a maçã, não seria mais sensato expulsar a cobra e perdoar o pobre homem (dizem que o senhor a tudo perdoa) Simplificaria as coisas não acha? Quando acontecem coisas boas as pessoas lhe atribuem o feito, eu me pergunto é onde o senhor esta quando acontecem coisas ruins? Se o senhor é onipotente, onisciente e onipresente fica difícil correr da culpa, você há de concordar. Ah tem mais uma coisa, o livre-arbítrio. Se eu sou livre mesmo, por que eu vou ser penalizado só por não seguir os seus desígnios? Onde está a liberdade nisso? As vezes acho que o senhor gosta de vê o circo pegar fogo. Mas não se zangue comigo, só estou exercitando o que o senhor nos deu de mais precioso e talvez perigoso, o cérebro. Talvez faculdades racionais não funcionem no seu universo e perguntas como estas fogem da minha alçada de compreensão. Certamente é isso que os clérigos, pastores, rabinos, ou todos os doutos das religiões vão me dizer, daí fica outra questão, se não está em minhas mãos compreender tudo isso, por que eles se arvoram de conhecer o que a nenhum ser humano foi dado saber?